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sábado, 16 de julho de 2016

Passando perrengue na China: o dia em que um grito de "I need help" nos salvou

Nossa retorno de Guilin para Hong Kong já havia sofrido turbulências quando não encontramos mais vagas no trem que pegaríamos até a cidade de Shenzhen, de onde planejávamos retornar ao nosso hotel em Hong Kong de metrô, fazendo o caminho inverso ao que percorremos na nossa ida (detalho o nosso planejamento neste post). A época de maior migração humana no planeta (o ano novo chinês) já tumultuava a nossa viagem antes mesmo de embarcarmos.

A solução encontrada: 

1. Pegar um trem de Guilin para Nanning, onde chegaríamos, às 16:24h, na estação Nanning East.

2. Seguir para o aeroporto da cidade de táxi (como a estação era nova, o serviço metroviário ainda não havia cegado até a estação. O trajeto demorou cerca de 30 a 40 minutos). 

3. Pegar, então, um avião para Shenzhen, onde chegaríamos às 22:25h, em um trajeto de pouco mais de uma hora.

4. E, do aeroporto desta cidade, seguir para Hong Kong. Pesquisando na internet, vi que o aeroporto de Shenzhen contava com metrô. Bastaria, então, pegá-lo até a fronteira em Lo Wu, onde faríamos a imigração, entrando em Hong Kong e continuando de metrô até a estação próxima ao nosso hotel. 

Um trajeto complicado, cheio de baldeações, incluindo trem, carro, avião e metrô, mas possível.

Não contávamos, entretanto, com as informações incompletas (ou erradas) sobre as cidades chinesas, o que aliado à dificuldade em encontrar alguém que falasse inglês, nos colocou na situação que conto abaixo:
Para dar início a nossa tensão, o voo partindo de Nanning atrasou alguns minutos, nos fazendo chegar atrasados ao aeroporto de Shenzhen. Por que isto era motivo para tensão? Eu havia lido que o último metrô partia do aeroporto às 23 horas. Portanto, estávamos correndo contra o tempo (eu sei que já corríamos este risco desde o momento em que compramos a passagem para chegar às 22:25h, mas era a única opção financeira e logisticamente viável).

Saímos correndo pelo saguão do aeroporto em busca da estação de metrô. E ao perceber que não víamos nenhuma placa a indicando, recorremos ao balcão de informações que surgiu a nossa frente. Detalhe: a moça da informação praticamente não falava inglês. Mas conseguimos entender o que ela tentava explicar quando percebeu que queríamos pegar o metrô: não havia metrô no aeroporto!!

Não consigo nem descrever meu nervosismo quando entendemos isso (na verdade, hoje tenho dúvidas se ela não estava querendo dizer, na verdade, que o metrô estava fechado. Acho que nunca descobrirei). Solução que me veio a mente: ir de táxi! Mas... o dinheiro daria?

Àquela altura, percebendo que aquele grupo de 3 ocidentais estava com o olhar perdido dentro do aeroporto e com cara de desesperados, um chinês já havia se postado ao nosso lado. E entendendo que queríamos ir para Hong Kong, logo nos ofereceu seu "serviço de transfer". O preço era tão alto e absurdo que nem consigo lembrar. Só sei que, nem juntos, teríamos aquele dinheiro todo. E logo percebemos que ele representava, na verdade, um serviço irregular, quando um segurança do aeroporto se aproximou para expulsá-lo. Pior que a própria atendente do balcão de informações estava nos indicando o cidadão como opção.

Desesperados, tentávamos descobrir com a atendente uma outra opção. Mas a comunicação linguística era quase nula. Ela escreveu o nome de um lugar em um papel e nos entregou. Mas não fazíamos ideia do que significava.

Resolvemos, então, seguir para o ponto de táxi. E foi aí que o chinês irregular voltou a nos abordar apontando no celular um valor mais barato para nos levar. Mas nem de graça nos arriscaríamos a entrar no carro de um chinês que estava sendo expulso do aeroporto. Mas não pensem que ele desistiu. Naquele momento, ele já havia passado aos colegas a informação de que três ocidentais com cara de aperreio estavam em busca de uma forma de ir para Hong Kong.

E começamos a ser cercados... por três... cinco... sete... um monte de chineses que gritavam valores oferecendo os seus serviços. Todos irregulares. Os seguranças apareciam e os expulsavam, mas outro grupo surgia atrás de nós. E o medo de sermos até mesmo assaltados começou a nos atormentar.

Eles, simplesmente, não paravam. E tivemos que começar a gritar em recusa e a, literalmente, correr deles. Enquanto isso, descobrimos que os taxistas não faziam o trajeto até Hong Kong.

No meio da correria, vimos uma placa que pareceu ser a nossa salvação. Dizia: Hong Kong Bus.

Corremos para o local apontado pela seta e, lá chegando, o balde d´água fria: uma placa informava que o último ônibus para Hong Kong partia às 21h. Lembro que ficamos os três olhando um para a cara do outro sem ter a mínima ideia do que fazer. Dormiríamos no aeroporto e pegaríamos o primeiro ônibus para Hong Kong no próximo dia? Seria seguro? E os chineses que estavam nos perseguindo pouco antes?

Foi aí que vimos uma fila de passageiros aguardando para entrar em um ônibus. Corremos para lá em busca de informações. Tentamos abordar sem sucesso os funcionários que vendiam e fiscalizavam as passagens. Ninguém falava inglês e uma das funcionárias desdenhou de nossa angústia, dando de ombros e nem tentando entender o que queríamos. Os passageiros na fila muito menos pareciam entender.

Foi aí que, já tomado pelo desespero e sem mais pensar numa solução viável, comecei a gritar: "I need help! I need help!!". Se alguém ali perto soubesse falar inglês, me entenderia.

Foi a nossa salvação: uma chinesa surgiu da fila em nosso auxílio e nos explicou que deveríamos tomar aquele ônibus e descer na segunda parada, onde deveríamos pegar um táxi até um local que eu não conseguia entender do que se tratava. O problema é que já estava na hora dela entrar no ônibus e não poderia ficar ali explicando detalhadamente e passo a passo o que deveríamos fazer.

Do nada, lembrei do papel no qual a funcionária do setor de informações tinha escrito o nome de um lugar e o mostrei a mulher que tentava nos ajudar. O nome que estava escrito era exatamente o do local para onde deveríamos pegar o táxi. Ainda deu tempo dela nos explicar que ali era o único local de imigração aberto àquela hora entre Shenzhen e Hong Kong (ou seja, mesmo que tivesse metrô até Lo Wu, teríamos pego o local fechado).

O papel que nos salvou. Huang Gang Port é o local para onde você deve ir se quiser passar de Shenzhen para Hong Kong durante a noite.

Pegamos, então, o ônibus, mas ainda inseguros. Afinal, haveria táxi na segunda parada para nos levar ao posto de imigração? Foi aí que outra simpática chinesa começou a nos ajudar utilizando um aplicativo de tradução do seu celular. Ao entender o que queríamos fazer, ela começou a falar em chinês com o motorista do ônibus. Chegando à segunda parada, o próprio motorista desceu do ônibus com a gente e parou um táxi, nos colocando dentro e informando para onde queríamos ir.

Confesso que este episódio serviu para melhorar, aos nossos olhos, a imagem do povo chinês. Afinal, foi graças a alguns generosos chineses que conseguimos chegar à fronteira com Hong Kong.

Chegamos ao local e fomos tomados por um grande alívio quando percebemos que havia um grande movimento no lugar. Nossa preocupação, neste momento, era se haveria algum meio de transporte entre o posto de imigração e o centro de Hong Kong. Mas se havia tanta gente chegando ali, deveria haver também uma forma de transporte até a cidade.

E mais uma vez, o sistema de transporte público de Hong Kong não nos decepcionou. Passando pela imigração, vimos que havia uma plataforma de onde partiam diferentes ônibus com destino a diferentes pontos da cidade, incluindo a região próxima ao nosso hotel. Dá para imaginar o alívio? Não lembro o quanto pagamos, mas foi possível utilizar o nosso Octopus Card. Entramos no ônibus com um peso tirado das costas.

Cerca de 30 minutos depois, chegávamos em Kowloon. Descemos numa área relativamente próxima ao nosso hotel, mas estávamos exaustos (dá para imaginar, não é mesmo?) e acabamos optando por um táxi.

Fomos deitar às 2 horas da manhã, sem nem acreditar que havíamos conseguido vencer a falta de informações e a barreira linguística e estávamos realmente na cama do nosso hotel.

Viajar para a China, definitivamente, não é fácil. Mas não há nada que mímicas, o encontro com pessoas solidárias e um "I need help" bem gritado não possa resolver.


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